A
cada dia, a árvore traqueobrônquica e os alvéolos são expostos a mais de
10 000
litros de ar atmosférico, retendo enorme quantidade de partículas em suspensão
nesse volume de ar e, obviamente, sofrendo as conseqüências da inalação de
substâncias tóxicas aí contidas. O sistema de filtração pulmonar não é perfeito
mas funciona de modo ininterrupto, através de três mecanismos de defesa inespecíficos:
1.
Clearance de vias aéreas e espaços alveolares (clearance pulmonar)
2.
Produção de muco, uma secreção brônquica com propriedades anti-microbianas
3.
Defesa celular, que impõe barreiras físicas e fagocita partículas retidas.
Esse
sistema é dito inespecífico porque atua contra uma imensa variedades de agentes
lesivos, diferentemente da resposta imunitária, que é específica para cada
agente.
Clearance pulmonar
Gases
hidrossolúveis e partículas líquidas são absorvidas nos próprios locais onde
entram em contato com a forração do trato respiratório; diferentemente disso, as
partículas insolúveis são eliminadas, ao invés de absorvidas.
A absorção de
partículas contendo substâncias tóxicas pode resultar em lesão celular,
disfunção do sistema, inflamação crônica ou carcinogênese (desenvolvimento de
câncer de pulmão).
As partículas sólidas maiores ficam retidas nas fossas nasais
ou nas grandes vias aéreas; apenas as partículas muito pequenas (menores que 5
mm) penetram nas unidades de troca gasosa, onde algumas se depositam (se o
diâmetro for entre 2 e 5
mm) ou são de novo exaladas (quando menores que 2
mm).
Quase todas as partículas que atingem os alvéolos e parênquima pulmonar serão
eliminados do organismo, mas se o tempo gasto para isso for prolongado, haverá
tempo para que ocorra lesão parenquimatosa ou de pequenas vias aéreas.
São
descritos dois mecanismos de Clearance pulmonar:
1.
O sistema de transporte mucociliar, responsável pela fiscalização da
nasofaringe e árvore traqueobrônquica;
2.
O sistema de transporte macrofágico, responsável pelo clearance das unidades
alveolares.
Sistema Mucociliar
Partículas maiores ficam retidas nas fossas nasais, onde as passagens aéreas são
estreitas e tortuosas, sendo eliminadas via espirros; a maior parte delas são
depositadas no epitélio ciliado revestido de muco da nasofaringe.
A
camada de muco aí presente, contendo as partículas retidas, movimenta-se a uma
velocidade de 5 mm/min, resultando em sua renovação ao fim de 12 minutos.
Na
árvore traqueobrônquica, um filme de muco é impelido de modo contínuo em direção
à glote pelo movimento sincronizado dos cílios que recobrem a superfície
epitelial; qualquer partícula que tenha sido depositada sobre o filme de muco
será carregada até a orofaringe, onde será ingerida ou expectorada.
Cada célula
de uma via aérea humana possui em média 200 cílios, milhares de mitocôndrias
(necessárias para fazer face ao elevado consumo de ATP) e realiza com cada cílio
um movimento bifásico: rápido para a frente e lento para trás, o que permite a
movimentação do muco.
O revestimento de muco das vias aéreas está composto de
duas camadas: a mais interna, na qual o cílio recua, é líquida ("sol"), enquanto
que a externa, na qual o cílio avança, é viscosa ("gel").
A camada viscosa, em
contato com a corrente de ar que entra e sai dos pulmões, retém as partículas em
suspensão e protege a camada mais interna de dessecação; além disso, é a parte
que desliza sobre a fase sol quando do batimento ciliar.
Cada cílio bate numa
freqüência de 1300 bpm, movendo o filme de muco numa velocidade de cerca de 20
mm/min.
Sistema Macrofágico Alveolar
O
destino das partículas que atingem os alvéolos (que têm um diâmetro abaixo de 5
mm) é diferente daquele das partículas retidas no sistema mucociliar da árvore
traqueobrônquica.
Nos
alvéolos, a partícula inalada poderá causar infecção ou necrose seguida de
fibrose intersticial, na dependência de ter sido um microorganismo ou um agente
irritante. Quatro destinos são possíveis:
1. Entrega ao sistema mucociliar
2. Seqüestro pelo parênquima pulmonar
3. Captação pelo sistema
4. Penetração na corrente sangüínea.
Sob
condições normais, quase todas as partículas são fagocitadas pelos macrófagos
alveolares, que eliminam a partícula por digestão ou carregando-a até o início
do sistema de transporte mucociliar, e deste para o tubo digestivo.
Quantitativamente, esta é a forma de clearance mais importante do sistema
respiratório humano.
A segunda via de clearance alveolar também envolve o
macrófago residente que englobou a partícula, mas que se move para o interstício
pulmonar, a nível do septo alveolar ou de pequenas vias aéreas. Nesse local,
poderá causar infecção ou necrose seguida de fibrose intersticial, na
dependência de ter sido um microorganismo ou um agente irritante.
Algumas das
partículas que atingem o interstício penetram na circulação linfática; uma vez
dentro do capilar linfático, as partículas tem acesso aos linfonodos regionais,
onde podem ficar retidas ou prosseguem até à corrente sangüínea. Isso ocorre com
pequena percentagem das partículas inaladas. Quando o número de partículas
inaladas é exagerada ou quando a capacidade de fagocitose dos macrófagos
alveolares foi saturada pela exposição crescente e prolongada, como no fumante
crônico, o fluxo de partículas pelo circuito linfático e sangue é elevado.
Algumas das partículas que atingem os alvéolos pode penetrar no parênquima
pulmonar e produzir uma reação tecidual intensa, com necrose local por
citotoxicidade seguida de reparação com deposição de colágeno (fibrose); é o que
se vê na inalação de sílica (areia), determinando uma doença conhecida como
silicose (uma das pneumoconioses).
O fluxo linfático é centrífugo no córtex e
centrípeto na medula pulmonar. A linfa é gerada em dois sentidos: na periferia
(córtex), o fluxo é centrífugo ("foge" do hilo), enquanto que na medula é
centrípeto (se dirige para o hilo). Na córtex, a linfa segue pelos linfáticos da
pleura antes de atingir os linfonodos hilares, de modo que as partículas aí
presentes vão atingir esses gânglios hilares. Já na medula pulmonar, as
partículas poderão ficar retidas no próprio parênquima pulmonar.
O clearance de
partículas é pobre na região posterior (dorsal), sobretudo ao nível das zonas
superiores, devido a diferenças regionais na função linfática. Uma dessas
diferenças é o menor fluxo linfático nos ápices, uma conseqüência da força de
gravidade.
Secreções Brônquicas
O
trato respiratório distal à laringe é fisiologicamente estéril; somente quando
falham os mecanismos de defesa pulmonar é que o trato respiratório torna-se
colonizado ou mesmo infectado por microorganismos.
A defesa contra esses
invasores é feita pela barreira física da superfície do filme de muco e é
amplificada pela barreira química representada pelas secreções brônquicas, as
quais contêm lisozima, lactoferrina,
interferon e anticorpos,
os quais são úteis tanto na inibição quanto na destruição de bactérias e vírus.
A
camada de líquidos que recobre as vias aéreas não é formada por uma substância
simples; trata-se na verdade de uma complexa mistura de secreções oriundas de
várias fontes:
1. O
filme líquido que forra os alvéolos, que contém surfactante
2. A
secreção de células em taça (caliciformes)
3. A
secreção de glândulas mucosas
Sob
condições normais, as glândulas mucosas são encontradas nas vias aéreas centrais
medulares (que são cartilaginosas) enquanto que as células caliciformes estão
localizadas tanto nas vias aéreas cartilaginosas quanto nas musculares, mas não
nos brônquios terminais, nos quais existe a secreção das células de Clara e o
surfactante.
Sob condições fisiopatológicas , o volume e as características
dessas secreções sofrem enormes alterações: na DPOC (doença pulmonar obstrutiva
crônica), o paciente pode ter um débito de secreção 10 a 20 vezes maior que o
valor normal (normal 100 ml/dia).
|